terça-feira, 25 de maio de 2010

9. UTILITARISMO: ÉTICA TELEOLÓGICA

UTILITARISMO: e o projeto de construir uma ética racional

Dr. Luis Alberto Peluso

“Utilitarianism is still the ethical theory which people love to hate”.(Harrison, Ross. “Introduction”. In “A Fragment on government”, Jeremy Bentham, Cambridge, Cambridge University Press, 1994. p.XVI)


3. RESUMO


O utilitarismo corresponde a uma tradição filosófica que consiste em pensar os problemas de organizar as relações entre as pessoas a partir da idéia que podemos conhecer o bem e o mal em função de critérios identificáveis pela nossa capacidade racional de conhecer. O utilitarismo tem, assim, dois pressupostos fundamentais: a) somos seres ilustrados, isto é conhecemos através da investigação racional; b) a natureza nos colocou sob o domínio de dois senhores: o prazer e a dor, isto é, somente agimos movidos pela busca do prazer (bem) e pela fuga da dor (mal). Esses são os ingredientes para a construção de um projeto ético que faça face aos problemas de saber, racionalmente, qual o comportamento que, de fato, é praticado (psicologia) como aquele que deve ser escolhido (ética) pelos agentes nas mais diversas situações. Ao longo dos anos, desde o final do século XVIII, vem sendo construído um enorme acervo de soluções para os problemas que decorrem da tentativa utilitarista de aplicar o princípio de utilidade na avaliação ética de nossas ações. Isto é, aplicar o princípio pelo qual uma ação é considerada como devida (bem), ou indevida (mal), conforme sejam os seus resultados identificados em termos de prazer ou de dor. Estaremos aqui investigando como foi que isso tudo começou e a relevância disso para os debates que ainda hoje travamos em filosofia política.

4. INTRODUÇÃO

A palavra utilitarismo indica uma tradição moderna de reflexão filosófica que teria se tornado expressiva no desenvolvimento do pensamento europeu insular a partir de um conjunto de autores que se conheciam, referiam-se mutuamente, comungavam um certo conjunto de teses fundamentais, discutiam problemas comuns, atuavam politicamente em favor da implementação, pelo poder público, de um acervo de soluções e faziam proselitismo em favor de determinadas reformas no contexto social. Isso significa que os utilitaristas constituíam a primeira escola filosófica, em sentido moderno, que teria surgido no mundo anglo-americano.

Estudiosos que trabalham sobre a história do utilitarismo têm feito referências aos utilitaristas como pensadores que propõem soluções revolucionárias para os problemas de seu tempo. Assim, Elie Halévy considera que alguns deles foram autênticos defensores de soluções radicais, no sentido que suas propostas estariam fundamentas numa posição que poderia ser chamada de radicalismo filosófico. Isto é, eles se utilizavam dos princípios utilitaristas para abordar criticamente a ordem estabelecida e defender sugestões de amplas reformas sociais. O fato é que os Benthamitas, como eram referidos, inicialmente, os ativistas que compunham o núcleo dos seguidores das idéias sistematizadas por Jeremy Bentham, envolveram-se nas discussões dos assuntos correntes desde o final do século XVIII, dando uma especial ênfase às decorrências especulativas da aplicação de um conjunto de teses que se construíam a partir da confiança na razão humana e na tentativa de construir um sistema justificativo das ações humanas elaborado a partir da aplicação do princípio de utilidade.

Quando nos referimos a tradição utilitarista podemos pensar em autores que participaram, com diferenças na sua forma de atuação, de um movimento filosófico que teve seu apogeu no período de século e meio, entre os anos finais do século XVIII e final do século XIX. Estamos falando de gente como Claude Adrien Helvetius, David Hume, Cesare Beccaria, Joseph Priestley, Jeremy Bentham, James Mill, Henry Sidgwick, William Paley, John Stuart Mill, William Godwin, Thomas Robert Malthus, Adam Smith, David Ricardo. Através das obras escritas por esses autores, o utilitarismo contribuiu para o debate dos temas mais importantes que ocuparam a agenda dos intelectuais envolvidos em discutir as soluções para o problema de identificar critérios para distinguir ações boas de ações más, isto é, a questão de encontrar respostas para perguntas sobre os referenciais que poderiam ser usados na escolha dos cursos de ação que se punham aos seres humanos nas diferentes situações. Nos últimos cinquenta anos, teria ocorrido uma retomada das teses utilitaristas. Autores como Herbert L.A. Hart, Peter Singer, David Lyons, Richard Hare, Esperansa Guisán, José Manuel Bermudo, Fred Rosen, Philip Schofield, Amartya Sen são responsáveis pelo expressivo volume de produção intelectual que tem caracterizado os estudos sobre o utilitarismo. Ademais, alguns projetos audaciosos de pesquisa de temas atuais e editoração das obras clássicas de pensadores utilitaristas vem sendo desenvolvidos em Agências e Institutos acadêmicos, tais como o Bentham Project no University College, a International Society for Utilitarian Studies, a Sociedad Iberoamericana de Estudios Utilitaristas e as prestigiosas revistas Utilitas e Telos.

De uma forma geral, é muito difícil apontar as teses fundamentais que constituem o ponto de vista utilitarista. Autores, como os elencados acima, são conhecidos pela originalidade de sua reflexão, o que torna ainda mais difícil a tarefa de indicar os aspectos onde seus pensamentos coincidem. Para efeitos didáticos, podemos afirmar que todos os autores conhecidos como utilitaristas concordam em dois pontos básicos. Primeiramente os utilitaristas concordam com a tese que o ser humano é um ser cognitivo. Isto é, o conhecimento é o instrumento de que dispõe o ser humano para construir, através de representações mentais, o significado do mundo e para descobrir os critérios que tornam as nossas ações compatíveis com o sentido que damos a ele. E a forma mais confiável de conhecimento é a racional. É racional o conhecimento que satisfaz certos critérios formais ou metodológicos, tais como clareza, precisão, coerência, sistematização consistente e controle empírico. Nesse sentido, os utilitaristas se colocam como expressivos de uma certa mentalidade ilustrada, que confia na capacidade esclarecedora da razão humana. O ser humano conhece e age pela razão, essa seria uma primeira afirmativa que revela o caráter da tradição utilitarista. Entretanto, os utilitaristas não se tornaram conhecidos pela sua contribuição sobre a natureza da racionalidade humana ou sobre a fundamentação de uma epistemologia racionalista. Eles se tornaram importantes interlocutores por sua contribuição sobre a teoria da ação. Isto é, tiveram uma especial atenção para os problemas que concernem à identificação dos critérios para a escolha dos cursos de ação que se põe aos seres humanos nas diferentes situações e o papel desempenhado pela racionalidade humana na teoria da ação. Nesse sentido, a tradição utilitarista tem contribuído para o debate sobre os critérios de identificação do bem e do mal. A teoria moral ou ética e a teoria sobre o direito são áreas que têm recebido o maior impacto das sugestões do utilitarismo.

Em segundo lugar, os utilitaristas concordam que os conceitos de bondade ou maldade das ações concernem às conseqüências que delas decorrem. Assim, são moralmente justificáveis as ações que maximizam o bem estar de todos aqueles seres sencientes que, de alguma forma, são afetados por elas. O princípio cuja explicitação aponta os critérios de aprovação ou reprovação das condutas dos agentes foi formulado pela primeira vez por J. Bentham, que o chamou de princípio de utilidade. Posteriormente, o próprio Bentham o identificou como o princípio da maior felicidade ; e, ainda, mais tarde o chamou de princípio da felicidade do maior número . Por princípio de utilidade, ou princípio da felicidade do maior número, é indicado aquele princípio que aprova ou desaprova qualquer ação conforme a tendência que ela possua de aumentar ou diminuir a felicidade daquele cujo interesse esteja em questão, isto é, conforme a tendência da ação em promover ou se opor à sua felicidade. Os utilitaristas sustentam que quando se parte do princípio da maior felicidade como fundamento da teoria moral é possível sustentar que as ações são corretas na medida em que tendem a promover a felicidade, o prazer, a vantagem e erradas conforme tendam a produzir a infelicidade, a dor, o sofrimento. Os utilitaristas trabalham com a presunção básica que as ações humanas, pelo menos as que são o resultado da vontade humana, são motivadas pelo desejo de obter algum prazer ou evitar alguma dor. Prazer e dor são termos aqui considerados em sentido amplo. Assim, entende-se por prazer qualquer sensação que um ser humano prefere sentir em um dado momento, ao invés de sentir nenhuma; considera-se dor aquela sensação que um ser humano prefere sentir nenhuma, ao invé de sentí-la em um dado instante. J.S. Mill tentou introduzir a idéia que isto não significa que os utilitaristas admitem que todos os prazeres são iguais e que somente são passíveis de diferenciação no que concerne à quantidade. Para ele: ”É perfeitamente compatível com o princípio de utilidade reconhecer o fato de que algumas espécies de prazer são mais desejáveis e mais valiosas do que outras. Enquanto na avaliação de todas as outras coisas a qualidade é tão levada em conta quanto a utilidade, seria absurdo supor que a avaliação dos prazeres dependesse unicamente da quantidade” . Ao que tudo indica, todos os utilitaristas concordariam que o princípio da maior felicidade é o ponto de partida de toda argumentação moral. Assim, as regras e preceitos de conduta que expressam a moralidade humana tem como fim último a realização de uma existência isenta, tanto quanto possível de dor, e o mais rica quanto possível de prazer, seja do ponto de vista da quantidade como da qualidade, para todos os seres humanos e para todos os seres sencientes que existem no mundo.

Numa tentativa de realizar um balanço das contribuições com que a tradição utilitarista tem participado dos debates sobre teoria moral e filosofia social, John Plamenatz destaca três aspectos. Primeiro, os utilitaristas têm especial cuidado em construir explicações elaboradas e coerentes das origens sociais e funções da moralidade. Segundo, eles têm se interessado pela linguagem da moral e tentam explicar o que ela tem de peculiar. E terceiro, eles fazem uso de métodos que, desde o tempo dos utilitaristas clássicos, têm se tornado cada vez mais usados para explicar como o ser humano se comporta e subsidiá-lo com orientação sobre como agir.

Confiança na razão e entusiasmo com a felicidade humana, esses são dois dos ingredientes fundamentais da visão ética do utilitarismo. Certamente que o projeto ético dos utilitaristas, enquanto uma tentativa de construir uma ética racional tem seus limites. Os debates sobre as teorias morais têm se desenvolvido em diferentes direções. Dentre outros, há aqueles que não vislumbram a possibilidade da construção de projetos éticos, posto que os critérios dos juízos éticos estão além dos limites do que pode ser dito pela nossa linguagem. Há os que acreditam que os utilitaristas constróem uma interpretação formalista da razão humana como instrumento confiável de investigação. Para esse tipo de críticos, a razão formal dos utilitaristas produz uma visão superficial dos problemas éticos e não atinge os fundamentos do agir humano que estão implícitos nos juízos morais. Há, ainda, os que não têm entusiasmo pela felicidade humana, uma vez que não entendem que sua busca possa ser suficiente para dar sentido ao agir humano. O que isso parece demonstrar é que o utilitarismo não conseguirá satisfazer todas as expectativas das pessoas. Entretanto, os utilitaristas têm sido interlocutores profícuos de diferentes tradições de investigação sobre os problemas morais e tem tentado apresentar uma resposta às críticas que lhe são postas. No estágio em que nos encontramos nos debates sobre teoria moral ninguém pode se arvorar em ter a última palavra. O que importa é não renunciar à idéia que a discussão deve continuar.


VER: http://cafesfilosoficos.wordpress.com/2010/01/02/filosofia-politica-contemporanea-o-utilitarismo/

Um comentário:

  1. Caros Alunos,
    ´pós ler o texto, elabore um breve comentário e envie para postagem.

    ResponderExcluir