terça-feira, 25 de maio de 2010

4. ÉTICA E DIREITO

SOBRE A DISTINÇÃO ENTRE ÉTICA E DIREITO

Existem duas situações diferentes em que, de modo habitual, emprega-se o termo ética. Em cada uma delas, contudo, embora existam elementos comuns, obtêm-se resultados que, conforme pretendemos aqui, não podem ser confundidos. Em seu primeiro sentido a palavra ética indica a discussão filosófica; em seu segundo sentido ela aponta para a discussão jurídica.

Num primeiro sentido usa-se a palavra ética para designar o tipo de discussão que se estabelece quando são tratadas as condições de elaboração das regras com as quais se pretende que sejam conduzidas as ações humanas. Assim, essa discussão envolveria a formulação dos princípios com os quais se deseja construir um modelo de ação humana que justifique a elaboração de regras de conduta. O resultado que se obtém é um discurso filosófico, através do qual tratamos de expor teorias e explorar a validade dos argumentos apresentados. Nesse primeiro sentido, a Ética é uma disciplina filosófica, onde as idéias são tratadas seriamente quando elas são submetidas a uma rigorosa avaliação crítica. E avaliar criticamente as teorias significa descobrir o que há de errado com elas. Porém, devido à maneira como são formuladas essas teorias elas não estão sujeitas a teste empírico. Não sendo, portanto, possível testá-las através de experimentos concretos. O caráter desse discurso filosófico está justamente no fato de que, não podendo ser recusadas por razões experimentais, as teorias ou soluções filosóficas podem ser apresentadas novamente sempre que nos defrontamos com os problemas que com elas pretendemos resolver. Se esta análise estiver correta, uma discussão filosófica estará sempre voltada para o estudo da relação existente entre uma teoria e uma determinada situação-problema.

As discussões filosóficas da ética se expressam hoje no debate entre dois grandes paradigmas. Há a chamada Ética Normativa que estuda os princípios racionais a partir dos quais se pode inferir as regras de comportamento considerados moralmente preferíveis e a Metaética que estuda os métodos de argumentação moral e o significado lógico dos conceitos que são utilizados as discussões morais.

Os partidários da Ética Normativa se dividem em Deontologistas que entendem que os critérios fundamentais para a justificação dos juízos éticos estão nas noções de dever e obrigação; e Consequencialistas que entendem que os juízos morais se justificam em função de critérios capazes de avaliar os resultados que são obtidos através das ações consideradas morais.

Os seguidores da Metaética se dividem em duas correntes. Primeiramente, os Cognitivistas, que entendem que os conceitos morais designam entidades naturais existentes no mundo. Dentre estes há os Intuicionistas que consideram que esses conceitos não se reduzem aos objetos de outras áreas de conhecimento, constituindo-se em conceitos propriamente morais e os Naturalistas que consideram que os conceitos morais indicam objetos do mundo real que podem ser empiricamente testáveis, podendo ser reduzidos aos conceitos das demais ciências. Existem, ainda os Não-Cognitivistas que afirmam que os conceitos morais não descrevem entidades existentes no mundo real, mas expressam atitudes ou emoções; os conceitos morais servem para comandos ou recomendações que não traduzem objetos existentes na realidade.

De uma forma geral se tem feito um enorme investimento de trabalho na investigação filosófica dos problemas da conduta humana. Tem havido progresso. Assim, com exceção da visão Não-Cognitivista, todos modelos de discussão ética admitem que os juízos morais são justificáveis e que, portanto, a racionalidade humana é instrumento eficaz na tentativa de desvendar os problemas da conduta correta.

Para a Ética, tomada em seu primeiro significado, se põe de forma obrigatória a pergunta por aquilo que se quer dizer quando se afirma que uma ação é boa, ou má. Isto é, o que se quer dizer quando se afirma que se deve fazer isto, ou que não se deve fazer aquilo? Portanto, as questões fundamentais da Ética concernem à busca da natureza da bondade e da maldade, à definição daquilo em que consiste o dever, e, principalmente, à determinação da extensão da capacidade que o ser humano possui de formular interpretações racionais, ou fundamentadas, para suas ações. Portanto, de uma forma geral, os problemas fundamentais da Ética dizem respeito às nossas concepções sobre a moralidade, à natureza dos julgamentos morais e especialmente à possibilidade da justificação desses julgamentos.

Estas perguntas fundamentais para a vida humana têm sido centrais no desenvolvimento da Filosofia desde suas próprias origens. E, a partir do conceito de discurso filosófico acima esboçado, da mesma forma como as perguntas se repetem, de igual forma se reapresentam as mesmas soluções. A importância da solução correta pode ser sentida a partir da constatação de que a promessa de qualquer projeto ético é a felicidade, o bem-estar, a salvação, a realização moral daquele que o pratica. Todos os sistemas éticos prometem fazer com que os indivíduos consigam o melhor de suas próprias vidas.

Uma vasta quantidade de material bibliográfico tem sido produzida sobre estas questões. Isto é particularmente verdadeiro se considerarmos a Filosofia Anglo-Saxã. Contudo, algumas das posições têm sido seduzidas pelo anseio de dar uma resposta rápida e simples. Por isto, de uma forma geral, não conseguem escapar de enfoques que caem no Ceticismo, alegando que não há resposta racional para os problemas éticos, reduzindo, portanto, a moralidade no reino da vontade cega. Ou ainda, caminham na direção do Positivismo, que no esforço de tornar justificáveis os juízos morais, converte a moralidade ao reino dos fatos, transforma a Ética no império da lei, tomando o justo por aquilo que existe.

O ponto de partida do Positivismo está na afirmação de que as respostas para as questões éticas se encontram na análise da realidade concreta. Nesse sentido, o foco central de análise é o fenômeno no qual a Ética se expressa, isto é a lei. Portanto, de uma forma geral os Positivistas pretendem reduzir o estudo dos problemas morais ao estudo da lei. A teoria positivista incorpora a concepção de lei como comandos que são garantidos por sanções. Nesse sentido para o positivismo legal a lei é um fenômeno social.

A teoria positivista da lei não parece, contudo, uma posição sustentável. O Positivismo sustenta a tese que o estudo científico da lei necessita corresponder ao tratamento daquilo que se pode concluir a partir da análise de dados empíricos. Assim, pensar as leis como comandos parece corresponder à evidência empírica. Contudo, ao fazer isto nós já começamos a teorizar sobre a natureza da lei. Pois as leis não são costumeiramente escritas num tom imperativo. Um dispositivo criminal, por exemplo, diz o que deve ser feito a uma pessoa que age de uma certa maneira. Ao pensar sobre isto como um comando, nós estamos examinando aquilo que se encontra sob a gramática superficial. Essa forma de entender o dispositivo legal corresponde ao esforço de entender como ele funciona. Um dispositivo legal não é uma predição empírica do que vai acontecer a uma pessoa que se comporta de uma certa forma. Em vez disso, ele estabelece as conseqüências legais. É posto para ser seguido, para regular o comportamento daqueles que podem ser tentados a agir de outra forma, bem como daqueles que são encarregados de supervisionar a obediência da lei

O que estaria errado com o Positivismo Ético? As dificuldades que nós encontramos com sua interpretação da lei sugerem que alguma coisa pode estar fundamentalmente errada com ela. O Positivismo Ético parece estar errado em dois pontos.

Primeiramente a tese que a lei é um fato social susceptível de estudo empírico não parece sutentável.O fato é que grande parte daquilo que identificamos como realidade social não é meramente 'dado' pela natureza, mas é um produto da atividade humana e é 'configurado' pelas idéias humanas. Assim como outros fenômenos sociais, os fenômenos legais 'pressupõem idéias'. E as idéias influem na própria produção da realidade social da lei. Isto é, as leis possuem determinadas formas porque nós temos idéias de que elas são de certas maneiras.

O que tudo isto parece revelar é que, em algumas de suas versões, as discussões filosóficas continuam presas ao contexto das soluções positivistas e céticas sobre o sentido da moralidade das ações.

Há um sentido em que o termo Ética é utilizado para designar as formas de comportamento das pessoas ou o conjunto de leis e dispositivos normativos positivos, com os quais se pretende organizar as relações de convivência das pessoas que vivem em sociedade. Essas leis teriam um poder cogente sobre os indivíduos, de tal forma que, quer pelo poder de um soberano ou de uma instituição que expresse o poder de obrigar nas sociedades, os indivíduos se vêm sob uma autoridade que os coage a obedecer a lei. É nesse sentido que a Ética se confunde com o Direito.
Portanto, somente num certo sentido, quando tomamos em consideração aquilo que resulta, em termos de linguagem, é que se pode falar em diferenças entre Ética e Direito. A Ética é o nome que damos aos resultados de nossas discussões filosóficas sobre a bondade e maldade de nossas ações e certas dificuldades de elaborarmos sistemas normativos. Um dos sentidos que atribuímos à palavra “Direito” é aquele em que ela expressa o resultado de nossos estudos científicos sobre a construção e aplicação de sistemas normativos. Assim, não há distinção entre o significado dos conceitos empregados nas discussões de “Direito” e nas discussões éticas. Condutas consideradas boas em uma discussão ética, não podem ser consideradas más em uma discussão jurídica. Não há diferença entre o bom e o justo, como não pode haver divergência entre o que ético, ou moralmente justificado e o juridicamente correto. Toda conduta que é boa é igualmente justa de um ponto de vista jurídico, e toda conduta justa é boa moralmente. Justas é o boas são as condutas que podem ser justificadas em função daquilo que consideramos como os critérios de moralidade. Não há duplicidade de critérios para o juridicamente correto e o moralmente justificável. Quando o bom e o justo não coincidem há um erro e de avaliação moral.

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